Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima & Stela Herschmann, Especialista em Política Climática do Observatório do Clima
Desmatamento da Amazônia, que faz o Brasil esquentar o clima sem gerar riqueza, isola o país na COP26
Do ponto de vista da atmosfera, uma tonelada de carbono é uma tonelada de carbono. Venha ela de tanques de combustível, usinas termelétricas ou árvores derrubadas, ela não deve ser emitida. Caso isso seja inevitável, a mesma quantidade de CO2 precisa ser capturada de volta e armazenada em algum lugar seguro.
Do ponto de vista do desenvolvimento das nações, nem todo carbono é igual. Existem emissões que ajudaram os países a desenvolver suas economias, dar trabalho e renda a seus cidadãos e melhorar o bem-estar. E existem emissões perdulárias, que empobrecem, excluem e destroem valor em vez de gerá-lo. O desmatamento da floresta amazônica pertence ao segundo tipo.
Sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, o Brasil tem quase metade de sua poluição climática originada no desmatamento de florestas e savanas tropicais. Em 2019, o país emitiu 2,17 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente, e 44% disso – 968 milhões de toneladas – saiu apenas da devastação da Amazônia e do Cerrado. Isso eleva as emissões per capita do Brasil acima da média mundial. Os Estados amazônicos, esparsamente povoados, emitem per capita mais CO2 do que países como os Estados Unidos, a Austrália e o Qatar.
Nos últimos 45 anos, o país arrasou quase 20% do bioma amazônico e colheu nenhum desenvolvimento em troca: o PIB e o IDH da região Norte, que abriga a maior parte da floresta, são os mais baixos do país. Mais de 60% das áreas derrubadas viraram pastos pouco produtivos ou degradados, que comportam menos de um boi por hectare. A destruição concentrou terra, enriqueceu uns poucos e empobreceu os municípios mais desmatados, cuja regra é o colapso após um momento de “boom” causado pela exploração do recurso natural. Trocamos a maior biodiversidade terrestre do planeta por capim. Não bastasse isso, atualmente mais de um terço do desmatamento decorre unicamente da invasão e do roubo de terras públicas.
Diferentemente do que ocorreu nos países industrializados e na China, no Brasil as curvas de PIB e de emissões são descoladas. A maior prova disso se deu no começo do século: entre 2005 e 2012, quando a Amazônia viveu seu primeiro ciclo de queda consistente nas taxas de desmatamento e se tornou um herói climático global, o Brasil também teve seu maior crescimento econômico desde a redemocratização. A produção de carne e de soja cresceram substancialmente, enquanto a destruição da floresta – e as emissões caíam.
Esses tempos infelizmente ficaram para trás. Com a alteração da legislação florestal brasileira, em 2012, as forças políticas e econômicas ligadas ao crime ambiental viram uma janela se abrir para a impunidade. O desmatamento voltou a crescer, até explodir a partir de 2019, sob o regime de Jair Bolsonaro.
O primeiro presidente declaradamente antiambiental, antiíndigena e negacionista do clima da história do Brasil desmontou regulações e estruturas de combate à ilegalidade nos seus primeiros dois anos de mandato. Agora, com maioria no Parlamento, Bolsonaro parte para o ataque final: a destruição do arcabouço legal ambiental brasileiro, entronizado na Constituição de 1998 e nas leis que seguiram-se a ela. Com a ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira, leis que modificam o licenciamento ambiental e legalizam o roubo de terras foram rapidamente aprovadas e aguardam exame pelo Senado. Ironicamente, esta última foi aprovada no exato momento em que Alok Sharma, presidente da COP26, conversava sobre ambição com representantes da sociedade civil brasileira.
Hoje a Amazônia deixou de ser inspiração para a luta climática e tornou-se fonte de preocupação. Com o descontrole do desmatamento, o Brasil poderá sozinho engolir quase 20% do orçamento de carbono disponível para a humanidade cumprir a meta do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC. E Bolsonaro está aí para garantir que nenhum freio sobre o crime organizado que devasta a floresta seja aplicado. Bolsonaro e seu governo nos levam a Glasgow como um perigo climático global e, assim como o mandatário do país, um dos emissores mais estúpidos do mundo.